UM JEITO LIVRE DE EXPRESSAR



André Miguel
Texto publicado originalmente no jornal panorâmico em 2011.

Ouvir música é um exercício, um passa tempo, é dançar e apreciar. Aprendi cedo que canções despertam a memória, reativam principalmente as boas lembranças. Quando a sonoridade entra em conformidade com a letra, cria-se uma atmosfera factual que registra um mero momento, como se a música fosse a responsável pela arte final ao dar identidade e forma à lembrança em questão.

A canção torna-se a chave da porta nostálgica. Os grandes filmes não seriam os mesmos sem as trilhas sonoras do cinema. Enfim, tem música para todos os gostos.

Entre os gêneros musicais, o black music sempre me chamou a atenção pela sinceridade.

É música feita com alma e protesto, devido às históricas injustiças cometidas contra a população negra. Contém elementos de lutas raciais e políticas, como o conteúdo do incrível What’s Going Gon (1971), de Marvin Gaye, considerado pela crítica especializada, um dos maiores álbuns de todos os tempos.



Não é à toa que uma das vertentes deste movimento carrega o termo “soul” (alma). Atualmente, outro galho desta árvore musical enraizada no gueto, o Hip Hop, busca retratar a vida suburbana, com todos os graves problemas existentes em ambientes carregados de gente desamparada. A música é uma forma que eles encontraram para protestar, em meio às rimas e trejeitos malevolentes de rappers e Mc’s.

No Brasil, o movimento atingiu seu ponto máximo, na premiação do VMB (espécie de Grammy brasileiro, promovido pela MTV) em 2011.

O Hip Hop nacional roubou a cena, e faturou os prêmios mais importantes da noite - Revelação, Melhor Disco e Melhor Música “Não existe amor em S.P”.  


Emicida levou os prêmios de Clipe do Ano, pelo vídeo de “Então Toma” e Artista do Ano, e discursou em rimas.



É o fortalecimento do nicho artístico responsável por expressar a angústia da classe menos favorecida, esquecida nas periferias das grandes e pequenas cidades.

Representada por Mc’s, grafiteiros, pagodeiros, funkeiros, a arte da comunidade se mostra hoje com grande força e traz reflexão, além da mera revolta expressada como um grito de socorro pelo abandono de quem vive à mercê da sociedade.

O Racionais Mc’s no rap “Eu sou 157”, faz referência à vida bandida, como no verso: “hoje eu sou ladrão, artigo 157, as cachorra me amam, os playboy se derretem.” Tal postura do líder Mano Brow era sim agressiva e de determinada forma incitava a criminalidade.

Porém, trata-se do reflexo de uma realidade brasileira, onde as oportunidades mais próximas dos moradores se revelam contrárias à forma correta de ganhar a vida. Empunhar armas de fogo ainda é o caminho mais fácil e mais próximo para quem busca o que rege o capitali$mo.



O Hip Hop, muito mais do que um movimento musical, se coloca hoje como mais uma opção para os jovens, faz a ponte entre periferia e sociedade e concede a oportunidade de crescimento em forma de arte.

Penso que a atual geração quer se firmar, se estabelecer, como qualquer cidadão. E é com garra destes artistas de origem pobre, hoje premiados, que o avanço social se faz através da música, da arte.

Os novos artistas da periferia mostram que a situação já é diferente: eles podem sim alcançar a mídia e fatalmente chegar ao público, sem ter a necessidade de se manifestar contrário ao modo de vida de quem tem mais oportunidade. Os Racionais Mc’s abriram este caminho hoje trilhado principalmente por Criolo e Emicida, quando alertaram, ferozmente, o público para a dura realidade da favela.



Para eles, é mais que musica, é questão de justiça, de se colocar no mesmo patamar dos artistas que eles cresceram vendo na televisão ou ouvindo no rádio. A música marca, desta forma, a arte como importante componente social no Brasil.

No engajamento sincero de quem sente-se marginalizado, aparecem feitos incríveis, mostrando incisivamente a faceta injusta da sociedade através da mídia. Continuo apreciando e torcendo pelo Hip Hop brasileiro, hoje reconhecido como movimento legítimo, na ocupação de seu espaço.

A verdadeira fórmula mágica da paz está na expansão do conhecimento e que trafeguem cada vez mais por bons caminhos todos os artistas que difundem a realidade suburbana do Brasil.












Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O cinema com o olhar sobre a nova sociedade brasileira

O 10 em desencanto