A trajetória de um capitão

Foto: Moysés Tomazoli
André Miguel
Entrevista originalmente publicada na revista "You Mag" em 2010

Foto: Moysés Tomazoli e divulgação.

A história do futebol brasileiro seria outra se o goleiro Zoff da seleção italiana não tivesse defendido um cabeceio certeiro no finzinho da partida que decretou a desclassificação do Brasil na Copa de 82, na Espanha, quando o placar anunciava 3 a 2 para a Itália, com os brasileiros precisando apenas de um empate. O franco favoritismo da seleção canarinho, dirigida pelo técnico Telê Santana, caía ali. 
         
O autor do lance? José Oscar Bernardi, nascido e criado em Monte Sião – MG, zagueiro daquela seleção, considerada até hoje, como uma das melhores já vistas na história do esporte mais amado do planeta.
Vinte e sete anos após a derrota, Oscar, que chegou a vestir a braçadeira de capitão daquele time, ainda recebe correspondências contendo fotos e reportagens veiculadas pela imprensa esportiva mundial, sobre o dia que ficou conhecido como “o desastre do Sarriá”.

Uma vitória abriria o caminho para a conquista da Copa e alteraria o destino da geração que apresentou o legítimo futebol arte naquela competição. “Se aquela bola entra, essa geração poderia ter ficado marcada de uma outra forma. Foi um dos lances mais importantes da minha vida. O Zoff também admitiu que foi a bola da carreira dele. Infelizmente, perdemos o jogo e acabou sendo um dia muito dolorido para todos nós”, recorda.

Caprichos à parte, Oscar construiu uma carreira exemplar, tanto na conduta como na forma de jogar e disputou outras duas Copas do Mundo pela Seleção Brasileira (1978 e 1986).

A primeira partida como profissional acorreu em 1973 com a camisa da Ponte Preta de Campinas; teve uma rápida passagem pelo Cosmos dos E.U.A em 1979, antes de se transferir para o São Paulo em 1980, onde o beque conquistou o maior número de títulos (quatro paulistas e um brasileiro), se tornando na época, um dos melhores zagueiros do Brasil.

É até hoje ídolo da torcida pontepretana e tricolor. Atuou no Japão como jogador e técnico, sendo ainda treinador em clubes da Arábia Saudita, Japão e Brasil (Internacional de Limeira, Guarani e Cruzeiro).
         
O ex-jogador se transformou em empresário. Em 2000, Oscar Bernardi colocou em prática a ideia de formar novos talentos para o futebol mundial e mantém atualmente um Hotel Resort em Águas de Lindóia-SP, na divisa com Minas Gerais, onde funciona também o Centro de Treinamento do Brasilis Futebol Clube, time idealizado por ele e fundado em 2007.
         
O ideal transformou-se em empresa, a Oscar Sports. Sempre preocupado em acompanhar a evolução do mercado esportivo, Oscar tornou-se Agente FIFA (CBF), para poder cuidar da carreira de seus atletas conforme a Lei Pelé.
         
Fomos recebidos pelo ex-jogador em sua sala no Oscar Inn Hotel Eco Resort; repleta de troféus, fotos marcantes de sua trajetória e pôsteres de jogadores famosos que começaram no Brasilis.
         
No entanto, o que mais nos chamou a atenção, foi um quadro contendo a famosa camisa da seleção canarinho de 1982, autografada por todos os jogadores que fizeram parte da equipe que encantou o mundo.
         
O ex-jogador, hoje com 55 anos, falou sobre suas atividades como empresário da bola, dos questionamentos em torno das dificuldades encontradas pelos garotos ao longo da caminhada rumo a carreira profissional e, claro, sobre o início de sua sólida trajetória, assim como os momentos memoráveis de sua carreira, que fizeram do montesionense, um dos maiores zagueiros da história do futebol brasileiro. Confira a entrevista:

You Mag: Oscar, você se aposentou dos gramados em 1990, mas o futebol nunca deixou de fazer parte de seu cotidiano. No que consiste essa função que você exerce atualmente como agente FIFA (CBF)?

Oscar: Sou um empresário credenciado e autorizado para agenciar jogadores de futebol. O agente FIFA auxilia os atletas principalmente em transferências internacionais. Os clubes e os jogadores têm mais segurança na transação intermediada pelo agente FIFA. Com isso, caso os jogadores e os clubes não recebam o que foi combinado, a FIFA pode interferir. Existem empresários informais, não credenciados. Nesse caso, o clube ou o jogador não tem a quem reclamar caso o combinado não seja cumprido.

You Mag: E até onde você acha válida a interferência do empresário na carreira de um jogador?

Oscar: O problema maior é com relação aos empresários e jogadores picaretas. Para ser sincero, muitos se merecem. Já tenho certa experiência com isso e venho percebendo que a família de alguns jogadores também procura se aproveitar. O jogador precisa ser inteligente e pensar que o melhor empresário pra ele é ele mesmo; o empresário está em busca de dinheiro. Vou contar uma breve história que ilustra essa questão: O Cilinho, que foi meu treinador no São Paulo, costumava dizer para determinados jogadores que apresentaria a eles um empresário. Logo em seguida ele tirava um espelhinho do bolso, mostrava aos atletas e dizia: ----Esse é o seu empresário! (risos).

You Mag: Então você acredita que para se tornar jogador de futebol profissional não é suficiente ser apenas bom de bola?

Oscar: Eu acredito que menos de 1% dos garotos que tentam a carreira profissional conseguem êxito. O despreparo é o grande problema que eu vejo nessa corrida para o estrelato; a personalidade do atleta é fundamental. Muitos querem facilidade e a família quer que o empresário viva em função do atleta. Existe jogador que se acha demais e os empresários inescrupulosos acabam se aproveitando. Eles não fornecem aos atletas o respaldo necessário, como o estudo, alimentação correta e acompanhamento psicológico, o que é muito importante.  Muitas vezes o jogador está atrás de babá, não de empresário; o cara não sabe assinar um cheque! Mas também se o jogador não render dentro de campo, não fizer a parte dele, logicamente, não adianta nada. O funil do futebol está cada vez mais estreito.
  
You Mag: Considerando sua experiência como empresário, quais os principais fatores externos que podem atrapalhar a caminhada do atleta em busca do profissionalismo? 

Oscar: A falta de estrutura psicológica e familiar eu acredito que seja a razão para que 50% deles fiquem no meio do caminho. O restante fica por conta da namorada, outros por causa da bebida e uma parcela por contusão. Eu acho que a garoto precisa aprender a ser profissional mais cedo para não se deslumbrar com o glamour; se não dorme cedo, vai pra boate, pra noitada, pra balada, não vai chegar muito longe e isso eu posso afirmar. Eu vejo também os garotos indo dormir 3, 4 horas da manhã porque ficam no MSN. Se o jogador não aprender a ser profissional desde cedo vai ser uma eterna promessa.

You Mag: Quais os jogadores que começaram com você no Brasilis F.C e que hoje são destaques no futebol?

Oscar: O volante Lucas que jogou no Grêmio, teve passagem pela seleção brasileira e hoje atua no Liverpool da Inglaterra. O David Saconni que estava no Palmeiras. O zagueiro Aislan do São Paulo, entre outros que atuam no exterior, em países como Azerbaijão e Rússia. No ano passado nós colocamos 16 atletas em diversos clubes do Brasil e do exterior.

You Mag: Qual a atual realidade do Brasilis Futebol Clube?

Oscar: Nós estamos em uma fase de renovação. Estive pensando em fazer um arrendamento do clube, porque eu sozinho pra cuidar de tudo é desgastante, além de gerar muita despesa. Sabemos das dificuldades em conseguir patrocínio. O arrendamento é a opção que está sendo avaliada no momento.
  
You Mag: Agora sobre sua carreia como jogador. Como foi o início de tudo, ainda em Monte Sião?

Oscar: Comecei jogando no clube aqui em Monte Sião. Jogava também em equipes de Águas de Lindóia, Jacutinga e Borda da Mata. Nessa época eu tinha 15, 16 anos.

You Mag: Você começou nos juniores da Ponte Preta. Como você chegou até lá? Foi através de peneira ou alguém te indicou?

Oscar: Na época eu estava jogando o Campeonato das Estâncias para uma equipe de Águas de Lindóia e fomos para a final. O Sr. Mário Juliato, que era o treinador do amador da Ponte, estava assistindo o jogo e me fez o convite, eu fui e deu certo. Minha ascensão foi rápida e logo eu estava entre os profissionais. Fiquei cerca de um ano só no amador.

You Mag: Como foi sua estreia como jogador de futebol profissional na Ponte Preta?

Oscar: Aconteceu em 1973 em um jogo contra o Santos. Eu ainda não estava na equipe profissional e naquele final de semana eu fiquei em Campinas pra ver o Pelé, o Clodoaldo, o Edú e todos os craques do Santos daquela época. Aconteceu que o treinador da Ponte caiu (Rubens Minelli) e quem assumiu foi o Mário Juliato, que era meu treinador. O zagueiro Araújo não havia renovado o contrato. Foi então que o Mário Juliato chegou e disse assim pra mim: Acho que vou te escalar para o jogo contra o Santos, está preparado? Eu disse que sim, aí sobrou pra mim (risos). Joguei, ganhamos o jogo, não comprometi em nada e continuei jogando na equipe profissional.
  
You Mag: Você ainda se lembra, logicamente, de sua primeira convocação para a seleção brasileira.

Oscar: Sim. A Ponte Preta vinha fazendo boas campanhas e a final contra o Corinthians no paulista de 1977 (O Corinthians foi campeão, depois de 22 anos sem títulos) deu mais visibilidade para nós, porque jogadores de equipes do interior quase não eram convocados. Aí depois desse jogo, fui convocado para as eliminatórias e posteriormente para a Copa de 78. Nas Copas de 78 e 82 eu fui escolhido como um dos zagueiros da seleção da FIFA.

You Mag: E o jogo contra a Itália que desclassificou o Brasil na Copa de 82? Aquela cabeçada no finalzinho do jogo poderia ter mudado a história do futebol brasileiro. Você pensa nisso até hoje?

Oscar: Eu me recordo que naquele lance eu tinha falado para o Toninho Cerezo atrapalhar o zagueiro para eu poder cabecear. O Zoffi defendeu aquela bola no reflexo. Ele deu sorte. O engraçado que até hoje eu recebo fotos e figurinhas daquela Copa, de pessoas do mundo inteiro. Ontem mesmo eu recebi algumas. Já se passaram 28 anos, mas as pessoas não se esquecem daquela seleção. Nossa derrota para Itália foi muito difícil para todos os jogadores daquele time. Talvez se os dois laterais tivessem ficado mais fixos, a história poderia ter sido outra. Mas eu já me esqueci daquele dia (risos).

You Mag: Fora o jogo contra a Itália, qual mais te marcou?

Oscar: Difícil dizer um só. Joguei partidas memoráveis pela Ponte, São Paulo e Seleção Brasileira. Uma partida bem especial pra mim, que eu tive a honra de participar, foi na despedida do Pelé. Me lembro que no fim do jogo até pensei em pedir a camisa que ele tinha jogado, mas acabei ficando com vergonha (risos). Eu tinha 19 anos na época.

You Mag: Como você observa o futebol hoje em dia, na forma como ele é jogado?

Oscar: Eu percebo que os treinadores colocam cada vez mais jogadores no meio de campo. Tem time que joga com três zagueiros, seis meio-campistas e um atacante, o que facilita para a defesa. Na minha época, a função do zagueiro era mais complicada.

You Mag: De um modo geral, o futebol te ensinou bastante?

Oscar: A gente está sempre aprendendo. O futebol pra mim foi ótimo e eu só posso agradecer a vida que eu tive como atleta e como treinador. As contusões foram as únicas coisas ruins, mas de um modo geral foi tudo maravilha. Não tenho mágoa de nada. Se fosse para eu deixar um conselho para quem está começando no futebol, eu diria que o atleta não deve inventar de investir dinheiro em negócios que ele não tem conhecimento, porque é arriscado perder tudo (risos).












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