Lições do Futebol



André Miguel

Texto originalmente publicado na revista "You Mag" em 2010.

Grande parte dos garotos brasileiros sonha um dia em se tornar jogadores de futebol. Escolha que exige talento, sorte, perseverança, personalidade, entre outros atributos necessários para o alcance da dimensão de tal êxito. Um sonho difícil, mas não impossível. Cafú, o capitão do penta, por exemplo, foi reprovado por várias vezes em peneiras de diversos clubes antes de se tornar o jogador que mais vezes vestiu a amarelinha.

A sensação de derrota é algo inevitável para quem fica no meio do caminho; esbarra nas dificuldades naturais da caminhada que pode acabar cedo. Talvez este seja o momento da primeira grande frustração de quem está apenas começando a viver, contudo, o que se aprende nessa fase pode ser essencial para o resto da vida. Amizades são construídas em campinhos improvisados de terra, nas quadras esportivas, nos estádios municipais, nas escolinhas de futebol ou até mesmo nas ruas de paralelepípedo.
            
Na competição, assim como na vida, não se ganha todo dia, lição importante, que não só o futebol, mas qualquer outra modalidade esportiva tem a capacidade e o importante papel de introduzir.

Muitos brasileiros sentem-se orgulhosos por pertencerem ao país do futebol. No entanto, muita gente acha esse requisito uma bobagem, considerando as problemáticas existentes em torno dos graves problemas sociais que a pátria de chuteira verde e amarela ainda carrega. Muitos outros emblemas podem ser mesmo mais sobressalentes do que um mero esporte, se pensarmos, superficialmente, sobre o futebol no Brasil. O que fica nas entrelinhas do jogo é o que realmente interessa.

Nos quatro cantos do país do futebol é possível extrair histórias que ultrapassam os limites esportivos. Em Ouro Fino-MG, o exemplo vem na pessoa de Antonio Amadeu Martins, mais conhecido por Edinho, “Negão” ou Jairzinho – referência ao craque da seleção de 70 – botafoguense, exatos 60 anos, 30 deles empenhados na função de treinador de futebol amador. Figura genuinamente brasileira.

Muitas gerações foram regidas por seu inigualável apito e marcadas pelos inúmeros relógios que ficavam guardados em seus braços durante os treinos, com seu bonezinho desencaixado postado sobre a cabeleira estilo black power. Sempre no esquema 4-3-3 de jogar.

Figura célebre do esporte ourofinense, Edinho só acumulou amigos desenvolvendo seu trabalho, que foi além dos ensinamentos futebolísticos. Uma pura referência para quem ainda se lembra de suas preleções, sempre pautadas no bom comportamento e na importância de dormir cedo, de ter uma vida saudável.

Edinho é apenas um dos inúmeros brasileiros espalhados pelo país afora, que tem no futebol, a base para a formação, não só de atletas, mas, sobretudo, de cidadãos. O conhecimento passado pelo treinador dá o tom da aula de brasilidade, principalmente; orgulha-se por ser uma pessoa querida por todos e carrega isso consigo como se fosse um troféu, pelo reconhecimento daqueles a quem uma vida inteira se dedicou. O laço de amizade que fica, nesse caso, transforma o ideal do técnico em mérito proporcional ao mais digno valor existente na relação interpessoal didática.

Marcas foram deixadas pelo profissional. Biro-Biro, Garrincha, Jorge Luís, Mauro Galvão e Careca são apenas alguns apelidos que Edinho, carinhosamente, colocou nos atletas, baseados em nomes de jogadores de futebol, conforme a característica física de cada apelidado. Quem é chamado de Roberto Carlos – o rei - não leva jeito para o esporte.

Edinho é espirituoso, empregava ainda um palavreado peculiar entre a garotada, na benevolência da malandragem em prol do bom sentido da característica brasileira. Sempre paciente com os jogadores tidos como explosivos, sua preocupação e carinho se voltavam exatamente para esses atletas, que volta e meia tumultuavam os treinamentos e precisavam mesmo de um pouco mais de atenção. No campo, seu papel era mais parecido com o de um pai, um conselheiro. A pedagogia de sua escolinha ensinava, primeiramente, saber perder. 

Em passagens como a do treinador-conselheiro, a reflexão se torna plausível quanto a complexidade do nosso país, no que se refere a necessidade de gurus, mestres e ensaístas na contemplação do futebol com o patriotismo. Conhecer a dimensão – não ela toda, é claro - de nossa cultura é primordial. Como se fosse preciso aprender ser brasileiro.

Pessoas como Edinho, deixam claro que o futebol não se restringe a vinte e dois jogadores correndo atrás de uma bola, bem mais do que isso, é um dos alicerces da cultura de um povo que necessita sempre de um “bola pra frente”, diante às agruras do dia-dia.

A estima é recíproca e verdadeira entre todos os jogadores que começaram sob seu comando. A maioria não teve projeção no esporte, mas carrega a certeza de que a simplicidade dos gestos de pequenos grandes personagens do esporte tupiniquim ensina como viver, antes de começar a ganhar.
           

Fimmmmmmm de Papooooooo!!!

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