O 10 em desencanto

Ganso viveu o ápice há mais de 10 anos

A narrativa radiofônica propagava: Belmiro, é a Vila. 10 é a camisa. A torcida grita seu nome, Paulo Henrique Ganso acena em retribuição. É o o Santos Futebol Clube, que entrega seu palco aos garotos da Vila mais famosa do mundo para encantar a torcida praiana. Em ritmo de discoteca. O alçapão alvinegro está em ebulição. 

O 10 em questão é branco, alto, esguio, paraense, canhoto. A antítese física de Pelé. Similaridades com o maior da história só a camisa, o número dela, o estádio, a torcida, o clube...A mística do celeiro de craques santistas tinha uma nova leva. Ganso chegou à Vila por intermédio de outro 10 que foi ídolo no mesmo clube; Giovanni.

O ano era de 2000 e...10. Depois da geração Robinho e Diego de 2002, o raio caía novamente no mesmo lugar, só que desta vez ainda mais forte. Conquistaram o Paulista, e a Copa do Brasil daquele ano e juntos chegaram à seleção. 


Foi a equipe mais vitoriosa do Santos depois da "era Pelé". Para a carreira promissora de Paulo Henrique Ganso parecia somente o começo, mas até então tem sido o seu auge, há mais de 10 anos, diferente do compadre Neymar, que figura entre os melhores do mundo há anos e acumula títulos importantes.

Ganso era alçado a um posto mais alto do que o próprio menino Ney. Apresentava um futebol vistoso, já era chamado de "maestro", chamava a atenção. Meia-esquerda clássico e habilidoso. 

Joga de cabeça erguida, o  raciocínio é rápido, sua visão de jogo é incrível, e com extrema precisão nos passes, muitos de primeira e de calcanhar. É bonito vê-lo jogar. Como dizem na linguagem futebolística: "joga de terno"!

Ganso em sua última passagem pela seleção

Contusões atrapalharam o 10. Uma entorse no joelho esquerdo o deixou fora dos gramados por 7 meses. Recuperado, em 2012, o jogador transferiu-se para o São Paulo, após uma longa negociação que custou, para os padrões do futebol brasileiro, incríveis 23,9 milhões de reais. No time do Morumbi vestiu desta vez a 8. Jádson era o 10. 

Foi uma longa passagem pelo São Paulo, com 200 jogos disputados até 2016. Teve bons momentos, disputou uma Copa América pela Seleção Brasileira, outras contusões, e fatores extracampo apagaram seu brilho. 

Ganso em mal momento no São Paulo

A melancolia parecia tomar conta de Ganso, que se mostrava triste e cabisbaixo. Era a hora de se reinventar. Momento de tentar mostrar seu talento na Europa, na maior vitrine do futebol mundial. O craque holandês, Clarence Seedorf, quando questionado se Ganso poderia jogar em alto nível na Europa, foi sincero: "É devagar".



Seedorf tinha razão. O "maestro" brasileiro foi vendido ao Sevilla da Espanha em 2016 e jogou pouco, não rendeu  nem de longe o esperado. Depois foi transferido para o Amiens da França e também não vingou. O Fluminense repatriou o meia no início de 2019 e ele ainda não conseguiu mostrar a que veio. Recentemente, ele abriu o coração para o site The Player's Tribune: 

"O mais difícil para o jogador é quando ele não se sente importante para o time. Porque tira tua motivação, você não está com a cabeça 100% ali no que tem que fazer. O que adianta se você não vai jogar? Eu me esforçava, mas vai passando o tempo e você acaba deixando de se sentir útil".

O futebol é análogo à vida. O sucesso que parece certo, muitas vezes não acontece no tempo esperado, mas pode acontecer quando menos se espera. Assim é o futebol; assim é a vida. Ganso é um craque incontestável, mas ainda não desencantou como era esperado. A grande expectativa do início, que não se confirmou, o fazia se sentir menor.


Abel Braga e Ganso se abraçam após vitória no carioca


No momento tem se mostrado bem, quer jogar e conquistar títulos com o Fluminense, e a torcida o apoia (o Fluminense é um clube nobre, como o coração de uma mãe). Está com 32 anos, não é titular, mas continua sendo o 10. Nos últimos jogos que foi escalado neste início de 2022 jogou com a maestria que lhe é característica. Na vida, no futebol, o tempo passa, as pessoas, os jogadores amadurecem, e a paciência chega para amparar. 

Uma coisa é certa: Paulo Henrique Ganso, independente do que aconteça, até o fim de sua carreira, será sempre lembrado muito mais pelo seu futebol arte que apresenta do que o insucesso atribuído por ele mesmo.

Comentários

  1. Não concordo. Vai ser lembrado pela falta de vontade de jogar. (entrar em campo é outra coisa).

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    1. A chave começou a virar amigo. Continuo achando que ele ainda será reconhecido no futuro pelo jogador que é.

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